Literatura, verdura e exercício


Eu me pus a pensar desde quando gosto de ler. Lembrei-me de D. Sílvia, professora de português da 6ª série, de vestido (vestido mesmo, nunca saia e camisa) saltos meia altura, grossos, como aqueles que se usam para dançar, laquê, em um tom entusiasmado (quase orgásmico, diria (hoje, não naquela época)) dizendo que ler era um prazer incomensurável. “Senhora” deveria ser lido para a prova – um saco!
Talvez venha desta época o meu gosto para exatas: eu queria inventar uma máquina do tempo e livrar o mundo de José de Alencar e alguns outros. Conseguia imaginar, com este ato genial, vários jovens divertindo-se, jogando futebol, andando de bicicleta. Isso sim dava prazer, ao menos naquela época.
Um pouco antes no tempo, lá pelos meus 5 anos, minha mãe lia gibis para mim. Aos 7 eu era apaixonado por quadrinhos, Nosso Amiguinho e almanaques de farmácia. Aprendi em meu primeiro ano de escola que D. Pedro I era o Defensor Perpétuo do Brasil. Fiquei espantado que só eu soubesse o significado de “perpétuo” na primeira série – havia visto a palavra em um gibi.
Aos nove, ganhei de meu tio um livro de português ilustrado, com erros comuns, regras etc. No final tinha I-Juca Pirama. Guardo os versos daquela época:

Meu canto de morte, guerreiros, ouvi,
sou filho das selvas, nas selvas cresci;
guerreiros, descendo da tribo tupi,
da tribo pujante, que agora anda errante,
por fado inconstante, guerreiros, nasci;
sou bravo, sou forte, sou filho do norte;
meu canto de morte, guerreiros, ouvi!

minha imaginação vagava pela serra dos vis aimorés. 




Aos 10 tinha lido de Machado de Assis vários contos; “O homem que sabia javanês” e tantos outros do Clube do Livro. Aos 12 odiava literatura! e, se li, nada me lembro de José de Alencar, mas passei à 7ª série e aos anos seguintes.
Aos 15, em classe, fui advogado de Paulo Honório de “São Bernardo”; li quase tudo de Agatha Christie, Herman Hesse, Pessoa (e seus heterônimos), Malba Tahan, Kafka, auto-ajuda, Saramago, Best Sellers, autores novos e antigos, bons e de gosto duvidoso, e, no final das contas, ainda não descobri o prazer que aquela senhora da sexta série dizia existir.
Uma vez minha filha, nos vários embates alimentares, disse: “Pai, eu não gos to de co mer  sa la da”. “Nem eu”, respondi imitando seu jeito de falar, “Prefiro comer picanha, lazanha, pizza... mas pre ci so  co mer   is so!” – No fundo, hoje, quase gosto de verdura e como bastante.
Eu e meu filho mais novo nadamos 2 vezes por semana. Ele não gosta. Nem eu! Tento fazer suportáveis os exercícios e, em especial, os alongamentos. Gostamos mesmo das disputas: futebol, caratê, vôlei, tênis... Nada de correr sozinho ou contar ladrilhos de piscina ou paredão de tênis. Porém é gostoso superar a cada dia mais metros n’água, o efeito disso no corpo, sentir o que as células nos pedem para ingerir e percorrer páginas e páginas em busca do que pensava Nietzche ou Saramago, aliás dois chatos, o último nem pontua seus textos ou muda de linha, mas para quem ainda não leu, leia: a rabugice se paga no final.
Enfim, Donas Silvias, literatura, verdura e exercícios não são saborosos nem prazerosos (e nem deveriam ser), exceto para alguns tarados pervertidos compulsivos insones que não têm nada de melhor para fazer. São apenas necessários e fundamentais à vida.
Talvez esteja na hora de ressuscitar aquele senhor que matei na sexta série.