quinta-feira, 5 de julho de 2012

Ideias que não se criam



Tanto o cientista quanto o jogador de futebol têm ideias. Os gênios têm grandes ideias; os craques, pensamentos rápidos. Rápidas ou grandes, em alguns casos, elas se mostram geniais.
Sabe aquela jogada que surpreende? Que pega desprevenido o adversário? Que arranca aplausos da platéia? Muitas vezes até dos adversários!
Será que essas jogadas têm algo em comum com aquelas teorias complexas que levam a um Prêmio Nobel?
Têm sim: Ambos, o craque e o gênio, são narradores de histórias. Veem a sua frente dezenas, centenas, milhares de cenários e desenvolvem breves narrativas para cada um deles baseados em seus conhecimentos, experiências anteriores e muito treino, observação e obstinação.
A diferença entre eles e o perna-de-pau é que alguns dos possíveis caminhos mostram-se inviáveis. São rapidamente abortadas. São ideias que não se criam.
Um cientista, para desenvolver uma teoria, vê cenários que permitem dizer de onde viemos, onde estamos e aonde vamos. O craque, antes mesmo de lhe chegar a bola aos pés, vê a posição presente de cada adversário, de seus companheiros e onde eles estarão no próximo segundo para resolver esta fantástica equação do que fazer com a bola.
Já as pessoas comuns, tanto em bola quanto ciência, não são boas em ver cenários e menos ainda em desenvolver narrativas para se chegar ao cenário possível ou desejável.
Basicamente o que diferencia o gênio do parvo é a capacidade de abstração, tanto para ver possibilidades quanto para criar histórias para chegar a elas.
Em educação existem uma série de conhecimentos técnicos e acadêmicos necessários para sair da mediocridade, mas nenhum é mais importante que a capacidade de abstração, seja para vislumbrar cenários ou para criar narrativas viáveis. 
E a melhor forma de se chegar a isso é ler boa literatura.
Isso mesmo, Machado de Assis, Saramago e outros tantos fariam mais por sua inteligência que qualquer outra coisa que você possa imaginar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Oito do Três


Essa data sempre foi, e sempre será, um dia especial na vida dessas mulheres: uma porque nasceu neste dia, a outra, elas ainda não sabem, morrerá. E isso marcará a vida da mais nova, não por nascimentos, mortes ou quaisquer coisas mais que possam ser comemoradas neste oito do três.
Anna Adélia, nome dado em homenagem às duas avós, juíza, aluna brilhante da São Francisco, sempre deixou nítido seu rastro por onde quer que passasse, fosse pela beleza e simpatia; fosse pela inteligência e educação. Don’Anna, como todos a chamavam, aos oitenta e sete anos, bem vividos, segundo ela mesma, cinco filhos, onze netos, já não goza de tanta saúde, mas insiste.
-  Don’Anna. Como vai? Sempre dando susto na gente.
-  Oi minha filha. Esperava por você. Não posso ir enquanto não falar com você!
-  Vó. Tem que esperar pelos bisnetos ainda.
-  Você demorou muito. Não vai mais dar tempo. Dê um copo d’água e ajude-me a sentar.
    Isso feito, a velha acomodou-se, tomou a água e como quem, assim como eu e vocês, já    
    soubesse o final da história, apressou em começar:
-  Você está bem minha querida? Tem vindo pouco me visitar.
-  Estou ótima, Don’Anna! Tenho tido pouco tempo: há muito trabalho para fazer, além disso, acho que minha mãe lhe contou, estou construindo uma casa, escrevi um livro...
-   Então ainda lhe faltam a árvore e o filho, ou melhor, os filhos!
-   É! Vó! Mas os maridos não estão mais fáceis como no seu tempo...
-  Eles nunca foram fáceis. Homens são e sempre serão difíceis. São animais medrosos e assustados. Difícil conquistá-los, difícil domá-los.
-  Acho que eles se assustam mais ainda com as mulheres modernas: inteligentes, decididas, independentes...
-  Você sabe dançar?
-  Sei, Don’Anna. Mas é difícil um homem que saiba dançar bem.
-  Filha, quem tira para dançar é o homem e, por melhor que você saiba dançar, é ele quem conduz. Se você tentar conduzi-lo, terá os pés pisados e uma noite horrível.
-   Sei... – Disse refletindo enquanto sua avó continuava.
-  No amor quem conduz também é o homem. Em ambos os casos, nossa condução é sutil, não se faz notar. O homem precisa acreditar nessa sua condução para ter coragem e seguir em frente. Ele, bem estimulado, será o provedor de tudo que você precisar. Cabe a você, apenas indicar o caminho.
-   Sei...
-  Não há necessidade de disputas. Aprenda e ensine o homem a entrar em sintonia, em comunhão, no sentido exato desta palavra, e, juntos, serão um só. Aí não haverá mais condutor e conduzido. Como já dizia a minha avó, o homem é a cabeça...E a mulher o pescoço.
-   Sei...
-  Mulheres fortes são uma coisa, mulheres agressivas outra. O feminino é suave. Falta às empresas um caráter feminino, falta ao mundo características femininas. Portanto, ao trabalhar empreste este caráter ao que faz. O mundo masculino impôs às mulheres uma armadilha: que para serem bem sucedidas, deverão ser iguais aos homens. Mulheres não são homens. Um homem casado e pai de família passa bem uma semana trabalhando fora, uma mulher não: ela sofre, pois sabe que precisam dela.
-   Sei...
-  Poucas mulheres podem viver sem filhos. Filhos precisam de um pai. Vocês trabalham, trabalham e depois se culpam. Ache um emprego feminino, tenha filhos, eduque-os e seja feliz.  
-   Sei...
-  Já falei o que tinha para lhe dizer. Por favor, minha querida, agora se vá que preciso descansar. Faça isto por nós!

Don’Anna esperou a neta ir, pediu à enfermeira que a deixasse dormir sem remédios até o dia seguinte. Não acordou mais.
Anna Adélia despediu-se sem choro. Morria ali uma mulher e tanto, que lhe permitira ser o que era hoje e, finalmente, o que poderá ser amanhã, sem que deva a outros satisfações sobre seu sucesso. 
Demitiu-se como juíza, passou a trabalhar como advogada em meio período, voltou a pintar e, pasmem, a costurar.  
 Ah! E a freqüentar mais os bailes para descobrir quem a soubesse conduzir.