quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Jardim da Poeta

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A cidade havia crescido, as ruas de paralelepípedo tinham dado lugar ao asfalto, as casas antigas, ao comércio e prédios. No entanto, o Jardim de Baixo, que é como chamávamos a Praça da República, continuava igual, conservam-se, de minha infância, a Matriz e a Banca do Gaúcho. Mantive eu também o hábito de todo domingo cedo comprar o jornal local para ler os poemas de Armínia.
Nunca fui de reclamar das mudanças e do progresso. Em geral, gosto. Lamentava apenas a transformação da casa do outro lado da praça em prédio, pois nela havia as mais belas flores, tudo lá era mais: o verde mais verde, o vermelho mais vivo. Creio que o próprio Jardim de Baixo tinha certa inveja da quantidade de pássaros da pracinha particular daquela casa.
Quando piá (assim me chamava o Gaúcho), eu ia comprar o Jornal para o Vô Laerth, especialmente para ler os poemas de Armínia que, além do locais que citei, é a grande lembrança dos tempos de guri. Foi com seus poemas que aprendi a ler e, particularmente, peguei gosto pela música, poesia, literatura e arte. Vô Laerth musicava alguns versos da poeta e, no violão, cantava para mim. Lembro-me especialmente de um que conhecia cantado:

Você Indo
Você indo 
Leva o meu amor pra lá dos confins
Contemplar o luar. 
A vida uma dádiva me criou
Você passa, deixa graça em tudo
Fico mudo ao ouvir o seu dom natural
Sua mágica luz, sua música
Quantas canções de amor eu não fiz
Sons que perderam o tempo e o lugar
Ler o momento, deixá-lo seguir
Como o abrir de uma flor
Muda o tom do jardim
Quantas canções de amor eu não fiz
Porque não tinha você pra ouvir

Percebi que tudo tinha um porquê!
Não mais tinha Vô Laerth, nem a casa do jardim, mas ficaram a praça, a banca, a Matriz  e a coluna de poemas de Armínia, que já devia ser muito velha, mas, sem faltar um domingo, publicava um novo poema.
A casa agora era um prédio, os netos dos pássaros davam preferência à praça, exceto pelas flores de um apartamento do terceiro andar, em cujo jardim, de menos de um metro quadrado se avistavam as mais belas flores jamais vistas, nem na velha casa. Fiquei curioso por saber quem morava lá, mas nesses tempos modernos ninguém conhecia mais ninguém. Até que um morador antigo, como toda simplicidade do mundo disse: “A Dona Armínia mora lá. Depois que ela vendeu a casa para fazer o prédio, ficou morando lá”!
Atravessei a praça emocionado. Apesar da idade, imaginava-a bela por suas palavras, via a velhinha em algum vestido de chita florido, picinè antigo, cabelos presos, tomando chá ao entardecer em frente à praça. Tudo agora fazia sentido: a praça, a casa antiga, o jardim, as poesias, até o prédio com aquele tímido jardim ganhava uma lógica moderna. Eu só me perguntava por que não havia nenhum livro dela.
O interfone do apartamento demorou a atender. A voz da senhora do outro lado dizia que Armínia viajara. A resistência, só foi vencida depois de várias histórias de minha infância, do Vô Laerth, das compras dominicais de jornais, de vários nomes de poesias e, finalmente, depois de cantar “Você Indo” no interfone – a música de meu avô com a letra de Armínia eram a união perfeita. Nada superaria, porém, a emoção de conhecer Armínia e seus jardins, suas confusões de flores, sentimentos, cheiros, momentos, luzes e cores.
Tudo, porém, desmoronou ao abrir da porta do apartamento 32. A casa era velha e mal cuidada, a mulher, que insistia em se apresenta como “acompanhante” de Dona Armínia, era horrível e provavelmente sempre fora, pois guardava marcas de doenças e deficiências de infância. Constrangido com tudo, acomodado na sala, o único ponto que se destacava era o jardim da sacada, com flores belas e coloridas - perfeitas!
- Fiquei encantado com o jardim. Ele dá vida ao prédio, 
  empresta graça à vida! – falei tentando achar o que dizer.
Nisso, a velha, que percebia minha decepção, com um tom de quem sabia tudo que ia se passar naquela conversa, perguntou-me:
- Quer conhecê-lo?
E nos dirigimos à sacada. Era tudo artificial! A grama e as flores lindas eram de plástico. Tudo que eu queria era sair daquele lugar horrível correndo. A mulher, calma, pediu para que eu ficasse mais um momento:
- Meu jovem, a vida, às vezes, é cruel com a gente. Tanto em nosso nascimento, quanto no tempo que duramos. Alguns de nós talvez devessem morrer logo, outros tantos, bons e belos, deveriam durar mais. Mas a vida é a vida! E ela deve saber o que faz.
Sua voz ganhava belos tons e contornos e isso era tudo que eu via enquanto ela falava.
- Não queria que você subisse aqui, por motivos óbvios. Você os sabe agora. Perceba apenas que você pode tratar as coisas que recebe e devolvê-las ao mundo de outra forma. Não há como manter o jardim da casa velha, mas quem vê lá debaixo não precisa ver um prédio sem vida. Pra que mostrar a cara marcada, se a alma continua jovem? Assim são as flores, os sentimentos e a poesia. 
A senhora fez um pequena pausa antes de me encaminhar à porta e concluiu com um sorriso que amenizava minha culpa:
-  Ah! Se disser a alguém um dia que me conheceu, fale de flores e poesias.
Beijei a testa daquela bela mulher e lembrei-me da música de Armínia e Laerth. E, finalmente, entendi que tudo tinha um porquê!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Pau Brazil

Lembro-me, de ouvir falar, dos Réis. Contos de Réis! Ainda acho bonito e engraçado quando escuto que algo custa 5 conto; conto mesmo, não ia para o plural. Conto de Réis. Circulou de 1692 até 1942, quando foi criado o Cruzeiro.


Vivi o tempo do Cruzeiro; do Cruzeiro Novo(1967); Cruzeiro, de novo (1970); Cruzado(1986); Cruzado Novo(1989); Cruzeiro, novamente (1990); Cruzeiro Real (1993); e, por fim, Real(1994), de novo - porque os Réis eram o plural de Real.

Cheguei a uma conclusão simples: o que atrapalha todos os planos econômicos são estes nomes sem sentido que dão à nossa moeda. Ele não pode ser assim escolhido ao acaso; tem que ter uma razão, um nome forte, com significado histórico e, ao mesmo tempo, ser simples, de fácil aceitação.


O “achamento” do Brasil se deu em uma quarta-feira, 22 de abril de 1500 e na quinta fomos batizados de Ilha de Vera Cruz; depois Terra de Santa Cruz e, finalmente, de Brasil; “devido a uma árvore avermelhada usada para tingir linhos, sedas e algodões, concedendo-lhes um suntuoso tom carmesim ou purpúreo, a cor dos reis e dos nobres”, a Caesalpinia echinata ou pau-brasil.


Creio que nenhum nome ficaria melhor para a nossa moeda que Pau-Brasil ou Pau-Brazil, para não haver problemas no exterior.


A outra grande vantagem é que já estamos acostumados e usamos esta moeda no dia-a-dia: um lanche, por exemplo, custaria P$ 5,00 ou popularmente falando cinco Pau!

Percebam que perderia o sentido aquela enorme quantidade de zeros, pois tudo custaria entre 1 e 999 paus. Uma calça custa cem Paus e um carro 30 Paus, ficando os zeros implícitos, sendo tudo mais simples, além de desestimular a inflação.

O governo poderia apelar para o orgulho nacional e o povo iria corresponder. Quando o ministro da economia viesse a público dizendo que devemos fazer sacrifícios para que o Pau suba, certamente toda população iria colaborar. Quando dissessem que teríamos que manter a alta do Pau em relação ao dólar, não haveria dúvidas que o Pau deveria sempre estar forte. Talvez apenas perca a coerência a expressão “tô duro” pra quando se está sem dinheiro, “tô mole” parece mais adequado!

Mesmo os humoristas terão o seu quinhão com alguns trocadilhos infames com expressões como “com quantos paus se faz uma canoa”, “pau pra toda obra”, “baixar o pau” etc.

Um último esclarecimento seria sobre os centavos: seriam chamados de Japas.

Assim um cafezinho custaria P$ 1,50 ou um Pau e cinqüenta Japas.

Bem, agora deixo pela imaginação de cada um as figuras que apareceriam nas notas e moedas.