Ilustração: Janny
Estava deitado em minha cama, quando ela veio, encostou sua cabeça em meu peito e permaneceu ali, quieta. Sabia que quando ela fazia isso, vinha alguma conversa séria.
Seu jeito meigo, infantil me encantava. Minha vida havia mudado depois que a conheci. Tinha aprendido muito nestes últimos 8 anos.
Depois de sua chegada, parei de ver TV e ler jornal à noite. Desligava tudo para ficarmos em paz. Comigo ela conheceu Vinícius, Chico, Gal, João Gilberto, Tom, Luiz Gonzaga etc. Com ela percebi que ainda tinha muito que aprender das coisas que pensava que já sabia.
Entretidos em nossos jogos, vivíamos entre músicas e livros, beijos e abraços. Ela era uma criança, querendo aprender tudo que podia e eu era uma criança, querendo reaprender tudo que podia.
As minhas divagações foram interrompidas com uma pergunta:
- Tem gente que acredita que depois de morrer vai para o
céu, tem gente que acredita que morre e volta, morre e
volta. Você acredita em quê?
Sempre me senti à vontade, com os amigos, para brincar com estas incertezas, mas desta vez não. Ela sempre confiou em mim e merecia uma resposta séria e honesta. Mas em que realmente acreditava eu?
Ansiosa ela me apressava.
- Estou pensando, respondi meio irritado.
- Ah! – Ela, meio impaciente, mas sem se arrepender da
sinuca em que me colocava.
Após algum tempo, não exatamente com estas palavras, comecei:
- Você tem algumas características de seus pais, que por
sua vez têm dos pais deles, que têm dos avós e assim por
diante. Seus filhos vão ter algumas características suas e
de todas estas pessoas. Certo?
- Certo. Concordou ela, já sentada na cama.
- Fora isso, tem muita coisa que você aprendeu comigo, na
escola, com seus amigos e vai ensinar para os seus
amigos, filhos e netos.
- Ou seja, seus filhos e netos além de algumas
características herdadas de você, vão ter também algo de
bom (ou ruim) que eu transmiti e ensinei durante a minha
vida. Desta forma eu viverei para sempre. Não no meu
corpo, mas com o que eu tentei aprender, melhorar e
ensinar nesta vida.
- Eu serei julgado por tudo que transmiti às várias
encarnações que me sucederem. Ao mesmo tempo terei
meu juízo final e minhas várias encarnações. Certo?
Ela apenas consentiu com a cabeça, antes que eu continuasse.
- Assim como cada fio de cabelo e cada grão de arroz que
você come têm importância fundamental para
que todo o nosso corpo sobreviva, cada pessoa que passa
por aqui também. Pouco importa se viva um dia, um ano
ou cem, todos têm algo a nos ensinar, os bons e os ruins.
Se cada um se preocupar em fazer bem o seu papel,
teremos, em algum tempo, um mundo melhor.
Ela me olhava com atenção, sem entender tudo que havia dito. Mas hoje é nisto que acredito: na nossa vida eterna, através das várias encarnações que irão nos suceder e julgar todos os nossos atos! Em cada conversa que tocam neste assunto, não brinco mais.
Marina querida, passados quase dois anos desta conversa, você reforça minha crença e esperança na humanidade.
Parabéns pelos seus dez anos de vida.